“Comum”. Lembro que essa foi
a primeira palavra que veio a minha cabeça quando vi Billy pela primeira vez. O
portão de minha garagem se abria lentamente, e começava a revelar os primeiros
traços daquele que poderia ser o meu salvador. Tênis baratos e desgastados,
calça rasgada em ao menos dois locais diferentes, e jaqueta escura de couro,
fechada. As mãos no bolso da jaqueta e a expressão completamente indiferente
estampada na face, espalhando a fumaça do cigarro de sua boca.
- Vo-você é o Billy? –
perguntei, a princípio um pouco nervoso. É claro que o cara poderia não ser do
tamanho de Hulk Hogan, mesmo assim, eu continuava sendo um magrelo fracote e
medroso. Além disso, Bruce Lee também não era grande, e todos sabemos das
coisas que ele foi capaz de fazer.
Ele não respondeu. Continuou
me encarando com um olhar amargo por mais algum tempo, sem desviar o olhar. Sua
pele era branca, pálida, e os cabelos curtos, estilo militar. Somente mais
tarde, naquele dia, que eu percebi o quanto ele se parecia com um psicopata, me
olhando daquela forma.
- É, acho que se não fosse
ele, não estaria aqui. Não é? – dizia eu, dando uma risada forçada, nervoso.
Billy continuou me olhando da
mesma forma, ainda sem dizer nada, o que me deixou mais nervoso. Cheguei a
pensar que diria alguma coisa quando mexeu seu braço direito, mas apenas puxou
o cigarro dos lábios secos e tragou profundamente.
Outra coisa sobre Billy
Jordan era que ele estava sempre fumando quando estava fora da escola. Os
boatos já diziam isso, então não era exatamente novidade para mim, nem mesmo
algo tão ruim quanto os comerciais de TV faziam parecer. As pessoas gostavam,
achavam legal. Seria algo que até
mesmo eu poderia gostar, aos meus 16 anos, se aquilo não fosse tão
desnecessário e indiferente para mim, naquela época.
Depois de algum tempo Billy
desviou o olhar de mim, e começou a olhar as coisas de minha garagem, ao meu
redor. Entrou em passos lentos, observador.
- Ãn... pode entrar, fique à
vontade – eu disse a ele, conforme ele já entrava em minha casa.
Passou os olhos pelas
prateleiras repletas de velharias, materiais de construção e de pintura.
Naquela época meu pai havia recebido uma promoção no trabalho e, na empolgação
do momento, comprou vários daqueles materiais, prometendo fazer de nossa velha
casa uma mansão. O tempo passou e, que eu me lembre, ele mexeu somente uma ou
duas vezes nos materiais de construção para consertar um vazamento ou fincar um
prego na parede para colocar um quadro.
- Humph. Que lixaria... –
resmungou Billy pela primeira vez, entediado. Tinha parte da voz obstruída pelo
cigarro em sua boca, e olhava com nojo para a garagem, se apoiando contra uma
das portas do recém-comprado Mazda 626 1996 do meu pai.
Tragou profundamente com seu
cigarro e voltou a me encarar com o mesmo olhar de antes. Talvez até um pouco
mais zangado. Dei um sorriso torto, e pensei na possibilidade de lhe oferecer
um café, mas percebi que não seria uma boa ideia antes de fazê-lo.
Decidi ir direto ao assunto.
- Certo... eu te chamei aqui
porque... – comecei a dizer até ele me interromper, com a voz firme.
- Quer que eu bata em quem?
- O-o que? – perguntei,
nervoso.
Naquele momento eu imaginava
como Billy poderia saber que eu havia o chamado ali com aquele intuito. Eu
havia encontrado seu número com um amigo da minha irmã, que estudou com ele. Na
conversa por telefone ele parecia igualmente calado, ainda que na ocasião eu
houvesse pensado que ele estava apenas ocupado com alguma outra coisa. Apenas
disse a ele que tinha uma proposta para lhe fazer e lhe dei uma estimativa de
quanto poderia pagar. Ele não perguntou nada, apenas disse que viria.
- As pessoas me ligam
querendo que eu bata em alguém, então elas dizem um nome, me pagam, e eu faço o
serviço. Então? O que tenho que fazer? – dizia ele, em tom mais ríspido do que
suas palavras faziam parecer.
Na época eu achei curioso que
Billy houvesse encontrado minha casa tão rápido. Ela não tinha numeração na
frente e havia outras duas ruas com o mesmo nome. A grande maioria das pessoas
não encontrava minha casa na primeira vez, mas Billy encontrou. Somente anos
mais tarde eu descobri que minha irmã mais velha havia sido uma das garotas do
colégio com quem ele trepou, no secundário. Antes disso, eu não fazia ideia.
Quero dizer, é claro que eu
sabia que minha irmã, cedo ou tarde, treparia com alguém – assim como eu mesmo
também pretendia –, o problema é que nós nunca esperamos que esse alguém seja
um babaca como Billy Jordan ou Patrick Hannigan.
Na verdade, acho que não
esperamos nem que elas façam isso com caras como Will, Bob Miller ou eu.
– Ãn... Certo – eu dizia,
tentando retomar minha postura. – Tem um cara que anda incomodando a mim e um
amigo há algum...
– Que merda você não
entendeu? – me interrompeu ele, impaciente, arrancando da boca o filtro que
havia sobrado do cigarro, e jogando para fora da garagem. – Eu só quero a porra
do nome e o dinheiro!
Eu hesitei por um momento,
observando a atitude agressiva e a expressão sanguinária de Billy, mas, de
alguma forma, me enchi de coragem e disse com a convicção de quem grita um hino
de guerra o nome que já estava entalado na minha garganta há quase um ano.
– Patrick Hannigan. 100
dólares agora, e mais 100 depois, caso ele vá parar no hospital – dizia eu,
puxando com violência o dinheiro de meu bolso.
Will e eu lutamos para
conseguir juntar aquela quantidade durante um mês, pois sabíamos – através dos
boatos – que Billy não faria aquilo por menos. Tivemos que cortar grama, limpar
as calhas e até lavar os carros dos nossos vizinhos durante um bom tempo, até
finalmente conseguirmos.
Eu me sentia inquieto por
dentro, assustado; mas por fora eu segura 100 dólares com firmeza na mão, e
lançava um olhar afiado a Billy, como se o desafiasse a aceitar aquela missão.
Ele finalmente mudou a expressão, e deu um sorrisinho cínico na ponta dos
lábios. Andou em minha direção a passos firmes – enquanto eu mantinha minha
postura –, pegou o dinheiro de minha mão com rapidez e se encaminhou para fora
da minha garagem.
Enquanto ele saía, confesso
que a imagem que me vem à cabeça agora, ao relembrar tudo isso, é a fala de
minha irmã sobre ele. Não era bom de
cama, e nem bonito. Dizia ela, indiferente. A questão com ele era o prazer de saber que você estava fazendo algo
que não devia, com alguém que não devia.
De certo modo, tirando a
parte sexual da coisa, era daquela forma que eu me sentia ao ver Billy se
afastar de minha casa. Mas essa sensação não tinha nada de prazerosa. Eu era um
frágil ratinho assustado que tinha relapsos de coragem, e, por vezes, decidia
ir atrás de ratos maiores e mais fortes arquitetar um plano contra um cientista
malvado que brincava de Deus.
Eu, talvez, fosse o ratinho
assustado, mas Billy não era outra rato – mesmo que um grande – e muito menos
Patrick Hannigan era um cientista malvado.
- Guarde bem meus outros 100 dólares
– dizia ele, olhando por cima dos ombros com o mesmo sorrisinho cínico de
antes, e puxando outro cigarro do próprio bolso enquanto o portão da minha
garagem se fechava atrás dele.
Eu guardei bem aqueles 100 dólares, mas Billy Jordan nunca voltou para buscá-los.
Eu guardei bem aqueles 100 dólares, mas Billy Jordan nunca voltou para buscá-los.
FIM
DA SEGUNDA PARTE
Melhor conto escrito pelo escritor mais bonito <3
ResponderExcluirGrato Isazinha! <3
ExcluirAiii Sem-or!
ResponderExcluirEsse final! Já estou querendo a próxima parte!
Sua escrita tem um quê de mistério e de cotidiano. Consigo imaginar todas as cenas na minha cabeça =D
Parabéns!
Bj
Haha, grato Michelle. Se quiser ler a próxima parte o link é http://jvmedeiros.blogspot.com.br/2017/02/conto-clamor-dos-inocentes-33.html
ExcluirEspero que gostei. Beijo!
Oiee ^^
ResponderExcluirOMG como assim ele não voltou? Surtei quando vi Segunda Parte ali...haha' vou agora mesmo procurar a primeira. Aiaiai *-* quero saber o que acontece depois.
Oi Dryh. Que bom que gostou!
ExcluirO conto tem 3 partes, todas já postadas. Se quiser ler a primeira, só acessar o link: https://jvmedeiros.blogspot.com.br/2017/01/conto-clamor-dos-inocentes-12.html
Oi!
ResponderExcluirParabéns pelo excelente conto. Li a primeira parte pra entender a segunda e agora quero logo ler a parte final pra descobrir o desfecho.
Beijos!
Oi Larissa. Que bom que gostou!
ExcluirSe quiser ler a última parte, está no link: http://jvmedeiros.blogspot.com.br/2017/02/conto-clamor-dos-inocentes-33.html
É o típico caso que a gente percebe que a ideia não vai acabar bem e muito menos solucionar o problema. Condução interessante dos personagens. Vou ler a próxima parte.
ResponderExcluirPois é, mas é curioso, porque mesmo sendo boa ou má, esta ideia, é muito difícil ver um livro/conto onde um personagem tem uma atitude assim. Aqui ele teve, e talvez descubra que a ideia foi boa, ou não, mas enfim, ao menos o grito interno do personagem que pedia uma reação dele foi acionado, e ele tentou ativar da melhor forma que pode. Bom, ao menos um pouco inusitada isso foi (e o final será inusitado ainda, creio eu).
ExcluirGrato por acompanhar o conto Bete! Grande abraço!
OOi!
ResponderExcluirFiquei meio confusa com esse aqui, mas ainda assim adoreei sua escrita. Consegui visualizar o que lia! Já vou correndo ali na primeira parte. haha
Parabéns!
Ola, que bom que gostou. Se quiser ler as outras partes, ja foram postadas.
ExcluirAbraço ;)
Oi João!
ResponderExcluirParabéns pelo conto! Muito bem escrito, muito interessante esse misterio que você coloca no seu conto <3
Beijos
Biblioteca Desajeitada
Grato! Fico feliz que tenha gostado! Tem outras partes postadas tambem
ExcluirAhhhhh que conto mais incrível gente! Confesso que fiquei bastante envolvida e desejo que tu continue sempre escrevendo mais e mais para trazer essas belezinhas para nós!
ResponderExcluirBeijinhos da Morgs!
Opa, muito grato morg. Se quiser ler as outras partes elas ja estao postadas
ExcluirAbraço ;)
Nossa, você escreve maravilhosamente bem, fiquei curiosa com a continuação da história. O que terá a acontecido a Billy a ponto dele não retornar para buscar o que lhe era de direito através do acordo firmado? Parabéns pela escrita incrível e cheia de mistério.
ResponderExcluirBjs, Glaucia.
www.maisquelivros.com
Grato Glaucia. As outras partes ja estao postadas :)
ExcluirOlá.
ResponderExcluirNão li as outras partes, mas achei bem envolvente, parabéns pelo conto, muito bem escrito, fiquei bem curiosa. Embora não seja um gênero que estou acostumada a ler fiquei curiosa e interessada.
bjs
Grato!
ExcluirOi, tudo bem?
ResponderExcluirPelo conto, muito bem escrito por sinal.
Não entendi porque ele não volta, talvez tenha algo que eu só vou entender se ler a primeira parte.
Olá,
ResponderExcluirAdorando este conto, e como a trama tem se desenvolvido.
Aguardando ansioso pelo restante.
Olá!
ResponderExcluirAdorei poder conferir esse conto aqui no seu blog, parabéns, você escreve muito bem! Vou ficar no aguardo da continuação.
Beijos.