- Irmão. Irmão...
Miguel estava paralisado. Não
ouvia nada ao seu redor.
- Irmão! – Chamou-o Isaque,
dando um puxão mais forte no braço do outro.
Miguel então acordou de seu
transe e olho o mais novo, que nada disse. Isaque tinha os olhos úmidos e a
expressão assustada. Alternava seu olhar entre as árvores, por onde várias
pessoas da Organização corriam e gritavam, e em seu irmão.
- Abner está...
- Abner está bem. James vai
cuidar dele, não se preocupe – Disse Miguel, tentando confortar o irmão ou
talvez até a si mesmo. Limpou os próprios olhos, onde as lágrimas ameaçavam
escorrer.
Isaque assentiu, trêmulo.
- Você precisa voltar, Isaque.
– Continuava ele, observando seus companheiros que evitavam correr pela
clareira, aonde estariam expostos. Ao invés disso faziam o caminho de volta
contornando o lugar pela floresta fechada.
- Você vem comigo, não vêm? –
Perguntou o garoto com uma expressão perplexa de quem já sabia aquela resposta.
Miguel simplesmente o fitou no
rosto. Não sabia como responder, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa viu
que, atrás deles, Marlene e agora Bryan tentavam tirar James dali, mas o homem,
ainda atônito com o que vira, não fazia questão de se mover, mesmo que um grupo
de três daqueles seres se aproximasse deles no intuito de atacá-los.
Bryan tomou a iniciativa e
embainhou a espada, se pondo a frente dos outros. Porém, Miguel sabia que três enormes
tauros seriam demais para ele dar conta sozinho, e Marlene hesitava, não
sabendo se deveria ajudá-lo ou tentar tirar James dali.
Miguel se ajoelhou na frente
do irmão e, mesmo com pressa, olhou profundamente em seus olhos.
- Isaque, eu preciso que corra.
Não vai ser fácil nessa mata, mas basta que siga a trilha dos outros. Não é um
caminho tão extenso, simplesmente corra até estar a salvo, eu sei que você
consegue. Promete que vai fazer isso?
Trêmulo, o garoto tentou pedir
que o irmão fosse com ele, mas seu medo era tanto que sua voz não saiu, e então
ele assentiu. Miguel lhe deu um beijo na testa e olhou-o por mais um segundo,
antes de voltar a falar.
- Agora vá. Vá!
Sem jeito, Isaque correu
desengonçadamente, enquanto Miguel, sabendo que a vida de seu irmão e amigos
dependia dele, embainhou sua espada e correu em direção aos tauros que chegavam.
Suas mãos estavam tão tremulas que sua espada quase caiu, mas ele segurou-a com
mais força, de modo que o nó de seus dedos ficassem esbranquiçados.
Enquanto isso Bryan se
mostrava mais habilidoso do que aparentava ser nos treinamentos. Quando os
tauros pareciam ter percebido que ele protegia James, avançaram em direção a
ele, mas o rapaz conseguia contê-los através de golpes rápidos com sua espada.
Em certo momento, Miguel
percebeu que a desvantagem entre os que lutavam se fizera valer, e enquanto
Bryan desviava de um golpe de machado e tentava desarmar outro com um golpe,
não conseguiria evitar um ataque do terceiro tauro, que levava a espada até a
região de seu pescoço. Antes que isso acontecesse, Miguel se jogou a frente de
Bryan, colocando toda sua força no movimento com sua espada, esperando que fosse
o suficiente para parar o golpe do outro.
E de alguma forma foi. As
espadas tilintaram e se afastaram, fazendo com que a força do impacto quase
jogasse Miguel ao chão, mas ao invés disso o rapaz apenas bamboleou.
Por um segundo, os tauros
simplesmente pararam, observando com estranhamento essa nova figura de um rapaz
tão novo no meio de uma batalha, mas isso não os impediu de continuar. O tauro
do machado se preparou para partir para cima de Miguel, mas antes que o
alcançasse a figura rápida de Marlene, como um raio, decidiu interferir e se
jogou sobre o ser, se apoiando de alguma forma sobre seu peito enquanto com uma
das mãos golpeava com movimentos rápidos e incansáveis a cara do tauro,
fazendo-o gritar e cair no chão.
O segundo tauro foi atrás de sua
espada, que Bryan havia derrubado anteriormente, enquanto o terceiro descia sua
espada na direção de Miguel, que agora, logo após ter realizado um ataque que
salvara a vida de Bryan, parecia ter se dado conta da dimensão do perigo ao
qual se encontrava, e por um segundo sua mente e seu corpo se paralisaram. Esse
seria um tempo mais do que suficiente para ser cortado ao meio, mas Bryan, logo
atrás dele, pulou sobre o rapaz de modo que caíssem para o lado e Miguel se
salvasse sem aranhões. Bryan sofreu um leve corte de raspão na região da
cintura.
Enquanto Miguel cuspia a grama
que entrara em sua boca, o tauro já emendava um novo golpe horizontal sobre
eles, e Bryan, sabendo que não conseguiria juntar forças para deter aquele
golpe, simplesmente realizou um ataque com sua espada de baixo para cima, fazendo
espada de seu inimigo passar por cima deles.
Aproveitando o momento, Marlene,
que acabara de dar um jeito no outro tauro, pulava sobre este, realizando a
mesma tática que funcionara com o outro.
Agora que Marlene lutava com o
inimigo que enfrentavam, Miguel e Bryan conseguiram prestar atenção no outro
tauro. O que havia ficado para trás para pegar sua arma do chão. Este agora
corria na direção de Bryan com a espada erguida, mas antes que se aproximasse muito
algo voou até eu pescoço e o fez cambalear e cair no chão, no meio da corrida.
Sua cabeça por pouco não caiu sobre os pés de Bryan.
Miguel olhou para trás e viu
que James já não parecia mais tão perdido quanto há alguns segundos atrás.
Tinha sua besta em mãos e acabara de salvar a pele deles, assim como Marlene
também fizera.
Assim que os tauros foram
eliminados, todos se reuniram. Miguel ficou impressionado com a habilidade de
Marlene e, somente agora, quando voltou a olhar para os punhos dela, lembrou
qual era sua e porque ela atacara os tauros daquele jeito. Ao invés de usar
espadas, lanças, machados ou qualquer coisa assim, a arma de Marlene era na
verdade duas espécies de garras, das quais saíam três laminas do aparelho em
seu pulso, e ela poderia controlar se saíram as três laminas ao mesmo tempo ou
só uma a sua escolha. Era uma arma nada convencional, ainda assim a mulher era
imbatível com aquelas garras.
Todos se olharam com o intuito
de correr mata a dentro em direção ao navio, mas antes que o fizessem
perceberam uma grande movimentação na direção contrária. Dezenas de tauros,
liderados por um deles a frente da multidão, se destacando pela sua maior
estatura e uma armadura com detalhes da cor roxa. Mesmo que portassem armas de
curta distância e estivessem a poucos metros, contornando a lagoa, os tauros
apenas caminhavam lentamente em direção a eles, o que chamou a atenção do
grupo. Ao invés de fugirem, permaneceram encarando-os, tentando entender o que
se passava ali.
- Já estão de partida?! Mas
acabaram de chegar! – Gritava o tauro que liderava o bando. Sua voz era grossa
e tinha um aspecto gutural, e ele tinha algo em sua boca de touro que deveria
ser um sorriso.
- Este é Zack, o líder dos
tauros. Suas palavras são como veneno, e nossa única chance de sobreviver é
ignorando-as. Temos que ir agora! – Disse Marlene ao grupo. Sua voz soou firme,
passando segurança aos demais.
Todos estavam visivelmente
abalados com tudo que havia acontecido, além de um pouco desgastados pela
última luta, ainda assim permaneceram firmes e correram calmamente pela
clareira em direção ao navio deles – com a exceção de Miguel, que parecia mais
trêmulo que os outros.
- Como é?! Nenhum de vocês, covardes, pretendem vingar
seu líder?! – Dizia Zack, ainda sem pressa. – Estão com tanto medo que eu os
matem também?!
James diminuiu o passo em sua
corrida. As mãos apertavam a besta com força. Bryan percebeu isso e puxou o
irmão.
- James, vamos! Temos que ir!
- Será que ele era um líder
tão ruim que não vale a pena ser vingado?! – Continuou Zack. – Pois tenho uma
notícia pra vocês, são todos um lixo igual a ele!
James pareceu lutar contra a
vontade ignorar tudo que ouvia e seguir em frente, mas seu rosto se tornou vermelho
e ele parou no meio do caminho com um berro. E então se virou para Zack.
- NÃO OUSE FALAR DE ABNER! NÃO
SABE NADA SOBRE ELE!
Sacou uma das flechas,
carregou-a em sua besta e atirou na direção do peito de Zack, mas este teve
tempo de puxar um dos tauros que caminhavam ao seu lado e o colocar a sua
frente, usando seu corpo como escudo. A flecha atravessou a armadura do tauro e
se fincou em seu peito.
O ser gritou, mas Zack continuou segurando-o, e ele já parecia ter forças para reagir. Os tauros
continuaram avançando em direção aos humanos em passos curtos, enquanto James,
tomado pela fúria, avançava em direção a eles com os amigos em seu encalço,
gritando seu nome e pedido que parasse.
O homem não os deu ouvidos, e
enquanto avançava sacou, armou e atirou uma nova flecha.
Um.
Dois.
Três.
Três flechadas atingiram o
peito do ser que Zack usava como escudo, que a essa altura já nem se mexia
mais. Enquanto sacava uma nova flecha e já estava a poucos metros de Zack,
James percebeu que o outro largou seu escudo humano com indiferença, e por
algum motivo ao invés de ir até ele foi em direção a um canto na lateral, onde
se iniciava a floresta.
Imaginando que essa poderia
ser sua chance, James já engatava outra flecha em sua besta quando entendeu o
que Zack pretendia. O tauro foi até o corpo de Abner, encostado contra uma
das arvores do lugar, e ergueu o corpo do homem a sua frente, como se agora
pretendesse usá-lo como escudo ao invés do corpo do outro tauro.
Aquilo fez uma lágrima
escorrer do rosto de James que, ao invés de engatar a flecha em sua besta,
simplesmente jogou a besta – que continuava presa em sua bandoleira – para as
costas e permaneceu com uma das flechas em mãos, correndo mais rápido que nunca
em direção a Zack.
Zack faz um sinal para que
os outros tauros apenas observassem, e quando James finalmente chegou até ele
pulou em sua direção tentando enfiar sua flecha no pescoço do ser, mas antes
que completasse o movimento Zack jogou o corpo de Abner com força sobre ele,
fazendo-o fez cair no chão e seu nariz começar a sangrar.
Os tauros ali presentes riram.
Logo atrás de James, seus
amigos e irmão também corriam em direção a Zack, que nem sequer havia
desembainhado sua espada. O primeiro a chegar até ele foi Bryan, que tentou
acertá-lo com um ataque de espada, mas o tauro o acertou um soco que o fez
voar. Logo em seguida, com uma destreza incrível, Marlene saltava com suas
garras em direção ao ser, que de alguma forma conseguiu erguer sua pata até a
altura do peito da mulher e fazê-la cair no chão também.
Por último, um trêmulo Miguel
atacou com sua espada na direção do rosto do ser. Seu movimento havia sido tão
rápido que Zack ainda não havia conseguido se recuperar do último golpe que desferira
contra Marlene, e quando se deu conta da presença de Miguel ele já estava mais
próximo do que havia imaginado. Tentou recuar a cabeça se inclinando para trás,
mas ainda assim a lâmina do garoto deslizou logo abaixo de seu olho, fazendo
com que instantaneamente gotas de sangue voassem a sua frente.
O ser grunhiu e levou as mãos
ao rosto enquanto todos os tauros que estavam ao redor, até então rindo,
ficassem boquiabertos ao ver que um garoto tão jovem e assustado havia
conseguido acertar e fazer sangrar seu líder.
Assim que o ser baixou as mãos
da face Miguel pôde ver através dos olhos avermelhados de Zack que ele não
grunhia pela dor, mas sim pela irritação e vergonha que sentira. Logo, o
próprio fato de tê-lo acertado e gerado tal reação no outro pareceu mais
assustador a Miguel do que se ele tivesse errado o golpe, e por um segundo nem
percebeu os punhos de Zack se juntando em um movimento único e voando em
direção a sua cabeça, acertando-o de cima para baixo e jogando-a ao chão no
mesmo instante.
O corpo de Miguel, caído a
frente de Zack, nem sequer se mexeu após o último golpe.
Enquanto tudo aquilo acontecia
James, mesmo levando uma forte pancada no rosto e sem tirar por um segundo
sequer os olhos de Zack, decidiu arrastar o corpo de Abner em direção a mata,
onde ele não poderia ser usado novamente como arma ou sofresse algum maltrato
dos outros tauros. Por mais que soubesse que aquilo era uma besteira, já que o
homem já estava morto, sabia também que não suportaria ver seu corpo sofrer.
Ainda se permitiu dar um um beijo de despedida na testa de seu amado antes de
voltar até os outros.
Alguns segundos tensos se
passaram enquanto James voltava e os outros se colocavam de pé, tentando
ignorar os próprios ferimentos. Zack voltou a levar as mãos ao corte do
rosto. O sangue inundou suas enormes mãos, e a ira tomou conta de seu corpo.
Ao erguer os olhos para os
outros Zack percebeu uma figura pequenina correndo em direção a ele. Era uma
criança, que quando passara ao lado de Marlene a mulher até tentou agarrá-lo no
meio da corrida, mas foi em vão. Ao desviar dela, o garotinho chegou até o
corpo do rapaz caído aos pés de Zack.
- Irmão, irmão! Se levante
irmão! – Disse Isaque, com os olhos molhados mirando o corpo imóvel de Miguel.
Todos observavam a cena atônitos, até que Isaque ergueu a cabeça em direção a
Zack, e com os olhos vermelhos de ódio continuou – VOCÊ! VOCÊ FEZ ISSO COM
ELE! SEU MOSNTRO! SEU...
Antes que pudesse continuar,
Zack agarrou seu pequeno corpo com nojo e ergueu-o como se ele não tivesse
peso algum, até que ficasse diante de seus olhos. No mesmo instante James
apontou sua besta em direção a Zack. Bryan e Marlene se colocaram em postura
de combate.
- LARGUE O GAROTO, ZACK! –
Gritou James.
- Ou o que? Vai atirar em mim?
Mesmo sabendo que posso usá-lo como escudo, como tentei fazer agora pouco com o
cadáver de seu amado líder? – Dizia o
tauro, gerando risadas entre seus semelhantes. Agora um sorriso malicioso
surgia em sua face.
James apertava a besta com
força, e sua face se tornou mais vermelha que nunca. Em um instinto, tentou
mirar na direção da perna do ser, mas quase na mesma velocidade ele acompanhou
seu movimento com o corpo do garoto, que gritava, em direção a aquela região.
- Por que não atira? É a
melhor chance que terá lutando contra mim.
- SOLTE-O!
- Você manda!
Zack avançou em direção a
James e acertou-o um chute no peito que o fez rolar pelo chão. Em seguida jogou
Isaque para o alto, em direção ao grupo de tauros. Mãos se esticaram no intuito
de pegá-lo, todos rindo e tratando a vida do pequeno garoto como um jogo. No
meio da multidão alguém o pegou, e começaram a zombá-lo e cutucar seu corpo
como se ele fosse um ser estranho, enquanto o menino chorava.
Zack deu uma gostosa risada,
e então finalmente embainhou sua espada, andando na direção de James, ainda
caído. Bryan trocou um olhar com Marlene e apontou discretamente para Miguel.
Marlene inicialmente hesitou, mas depois assentiu.
Enquanto Bryan corria a frente
do corpo do irmão e esperava a chegada de Zack, Marlene correu em direção ao
corpo de Miguel e arrastou-o o mais longe que pôde. Os tauros se concentravam
mais na batalha do que na mulher, ainda assim, quando a viram arrastar o corpo
do garoto em direção a floresta, hesitaram, mas preferiram seguir as ordens que
seu líder dera anteriormente e não interferir.
Marlene arrastava o corpo do
garoto o mais rápido que podia. Felizmente ele não era tão pesado quanto
imaginava, mas ainda assim não conseguia ser tão rápida quanto gostaria. Sabia
que levaria algum tempo até que chegassem próximos ao navio, onde sua
tripulação deveria estar reunida.
Não conseguia pensar em nada.
Sua maior preocupação era se conseguiria voltar com reforços a tempo de salvar
Isaque e ajudar James e Bryan, que já estavam lado a lado, lutando contra
Zack enquanto os outros assistiam e riam cada vez que Zack fazia um bom movimento.
De repente pensou que, por
melhores guerreiros que os irmãos fossem, talvez eles nem sequer conseguissem
deter Zack a tempo suficiente dela chegar até o resto de seu grupo. Talvez
aquele fosse o fim para eles. Todos eles.
Aquele pensamento quase a fez
chorar, mas Marlene seguiu em frente carregando o corpo de Miguel.
FIM DA SEGUNDA PARTE
Muito bem escrito, uma riqueza de detalhes fascinante, inclusive, mais e mais com vontade de adquirir teu livro.
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