Diário
de bordo. James Williams, 27 anos, 13 de fevereiro.
Bryan está
muito mais animado que eu em relação as nossas perspectivas de sucesso deste
plano. Particularmente, me dói o pensamento de deixar tudo para trás e começar
uma vida nova, mas acho que é algo que – se este lugar valer a pena – precisaremos
fazer. Além do mais...
- James! Larga essa porcaria e
vem ver isso! – Chamava a voz de Bryan no lado de fora do quarto da tripulação.
James fechou seu caderno e
deixou-o sobre sua rede de dormir. Ajeitou sua besta – presa em suas costas
através de uma bandoleira – e foi atrás do irmão. O convés estava cheio. Todos
os tripulantes olhavam para fora navio.
- Achamos esta maldita ilha,
James! – Dizia Bryan com um sorriso confiante assim que o irmão se aproximava do
parapeito do convés. – Levamos o que? Alguns dias?
James avistou o motivo de toda
aquela alegria. Um semblante de ilha que começava a se formar no horizonte.
- Como podemos saber que esse
é o lugar? E se for a ilha Narabis, ou... alguma outra ilha pior.
- Você parece uma criança
falando essas besteiras, James. Abner conhece Narabis. Ele já esteve lá. Se ele
está dizendo que não é, é porque não é.
- Ele não está dizendo nada – Disse
ele, observando Abner no convés superior. Com sua luneta, o líder também tinha
seu olhar focado no horizonte.
Abner já havia passado de seu
auge da forma física, agora estava com mais de 40 anos. Sua espada, presa a
cintura, era de uma lâmina mais longa do que a maioria dos guerreiros da
Organização estavam acostumados. Tinha os cabelos cumpridos, que um dia foram castanho-escuro
e agora davam lugar aos fios grisalhos, presos sob um rabo de cavalo. Diferente
de seu largo sorriso habitual, naquele momento sua expressão era séria, talvez até
um pouco preocupado, já a postura era rígida, como a de um general de guerra.
- Nunca diz nada quando está
apreensivo... – Continuou James.
- Com tudo que passamos em
outras ilhas, todos estão apreensivos. E com razão, mas isso é besteira. Quando
eu e meus companheiros viemos aqui, naquela missão de excursão, encontramos
tudo completamente deserto. Acredite em mim, estou dizendo que a ilha é segura.
James mirou Bryan. Seu irmão
era 5 anos mais novo que ele. Portava uma espada na bainha da cintura, tinha os
cabelos curtos e bagunçados e a barba malfeita. Em geral era uma companhia
animada, mas James sempre dizia que era o tipo de pessoa que ninguém gostava de
manter por perto quando se estava aborrecido.
Bryan fitava a ilha como se
mirasse sua primeira paixão, o que fez James franzir o cenho. Seu irmão estava
seguro demais de suas palavras, e isso
era o que mais o preocupava. E o pior de tudo era que já era tarde demais para
qualquer conselho ou sermão. Bryan estava tão empolgado que já não lhe daria mais
ouvidos.
- É. Eu espero... – Disse
James.
- Ora, tire essa expressão
carrancuda da cara, irmão! Desse jeito vai acabar convencendo nossos
companheiros que estamos indo para um funeral.
- Não estou querendo convencer
ninguém de nada, apenas fico pensando na possibilidade de encontrarmos os
tauros ou algum ser pior por aí. Isto é, caso eles sejam realmente tão asquerosos quanto nos
dizem, mas como podemos saber?
- Você acabou de responder
isso. São asquerosos porque nossos companheiros que os conheceram comprovaram
isso. Inclusive o próprio Abner. Porque passam tanto tempo juntos se ele não te
conta essas histórias?!
As bochechas de James coraram,
e ele desviou o olhar.
- Nu-nunca disse que ele não
c-conta, só digo que acho isso estranho. Ora, pense bem Bryan, que motivo os
tauros teriam para sair por aí colonizando ilhas e matando os humanos que
encontram? Não há sentido algum nisso...
Bryan bufou.
- Há sentido se você pensar
que os desejos deles são simples,
James. São seres estupidos guiados pela ganancia. Querem demonstrar seu poder
dominando outros lugares e povos, tomando seus bens, fazendo-os de escravos e
sabe-se-lá se eles não se alimentam de nossos corpos? Já deve ter ouvido as
histórias de Abner, são seres animalescos!
- Eu
sei, eu sei, mas... será que não há algo mais? Quero dizer, nunca
os vimos de verdade, sequer conhecemos a cor de seus olhos, como podemos ter
tanta certeza de que essas são mesmo suas motivações?
- E
o que mais poderia ser, James? Não há nada no mundo além da ganancia. Além
disso, quando alguém te aponta uma espada ao pescoço o que você faz? Pergunta quais
são seus objetivos e sonhos ou protege sua vida? A resposta é simples.
- É,
talvez seja, mas a verdade é que um tauro nunca me apontou uma espada.
-
Mas você nunca viu um tauro, e espero que nunca veja. Aliás, espero que nem um
de nós veja. Ao invés devanearmos sobre essas bobagens deveríamos nos preocupar
com o que temos que fazer.
James
suspirou olhando o horizonte. O semblante da ilha se tornava cada vez maior.
- É,
seja como for, com isso eu concordo.
Enquanto a tripulação
preparava os botes para zarparem até a ilha, Marlene passava atrás deles como
uma mãe zangada, dando uma bronca contida, para não chamar muita atenção, em
Miguel e Isaque.
- Quanta irresponsabilidade,
Miguel! Trazer um garotinho desta idade para uma missão com potencial para ser
tão perigosa?!
- A missão não é perigosa!
Você ouviu o que a tripulação da missão de excursão disse. A ilha está deserta!
- Não interessa! Tudo é
perigoso para uma criança de 5 anos! – Insistia na bronca a mulher, enquanto
adentravam no quarto da tripulação.
Curioso, James continuou
observando-os enquanto entravam. Apoiado no parapeito do convés se encontrava
em uma posição que favorecia a visão do trio dentro do quarto.
Miguel bufou.
- Enquanto estiver comigo,
Isaque vai estar seguro! Além disso, ele quer conhecer outros lugares. Nós queremos!
- Simmm! Por favor, nos deixe
ir também! – Interveio Isaque. – Sou muito forte! Posso me cuidar!
- Já chega – Disse a mulher. –
Você não vai mais zarpar até a ilha. Vai ficar aqui cuidando de Isaque e
guardando o navio.
- Mas Marlene, eu... – Tentou
argumentar Miguel, sem sucesso.
- Sem “mas”, Miguel! Se não
quer que eu conte isto a Abner é melhor me obedecer.
- Você vai contar de qualquer
jeito...
- Mas ainda posso escolher as
palavras que vou usar.
Os irmãos incorporaram
expressões de arrependimento enquanto Marlene saía do quarto e subia até o
convés superior, onde passava a conversar com Abner.
A mulher era sobrinha de
Abner, líder da Organização que participavam, enquanto Miguel era um
adolescente órfão que o grupo deles – essencialmente Abner – havia adotado
quando ainda era criança, assim como Isaque, o irmãozinho caçula do rapaz.
- Não sei como Abner pode ter
tanta paciência com esse Miguel... – Dizia Bryan que, sem que James percebesse,
também estivera olhando aquela cena toda. – Está sempre achando motivos para
fazer alguma merda.
Bryan voltou a fitar a ilha,
enquanto James ainda mirava Miguel. O garoto deveria ter cerca de 15 anos de
idade e, agora deitado, dividia uma rede com seu irmãozinho. Talvez estivesse
arrependido de ter trazia seu irmão para algo tão perigoso como aquilo, ou
talvez estivesse apenas aborrecido.
James alternou seu olhar para
Abner, enquanto ele terminava de conversar com Marlene. O líder da Organização
dirigiu um olhar a James, seguido de um aceno positivo de cabeça.
Naquele momento, aquele tão
simples gesto fez James voltar a sentir o peso que carregava nas costas por ser
um dos candidatos a substituir Abner na liderança da Organização, quando o
momento chegasse. E o fato de ser o favorito por parte do próprio líder não
amenizava esse peso.
*
Conforme levavam os botes até
a areia da praia, transportando poucas dezenas de homens, James apreciava a
paisagem do lugar. Com uma margem estreita entre o mar e a floresta, a areia durava
pouco e a floresta parecia densa, dando um indicio de desabitação.
- É lindo, não é? – Disse
Bryan, com aquele sorriso largo.
- É – Respondia James,
tentando entender onde havia beleza em um gramado alto e milhares de plantas e
árvores.
Quando os botes já estavam atracados,
Abner ordenou que seguissem juntos mata a dentro. Andavam em fila indiana, de
dois em dois. James havia ficado no meio da fila, enquanto Abner, Bryan e alguns
outros que haviam participado da última excursão até aquela ilha permaneciam na
linha de frente, abrindo caminho e tentando guiá-los.
A maioria se mostrava
maravilhada com o lugar conforme o conheciam cada vez mais. Respaldavam toda a
“beleza natural” do ambiente, e toda sua pureza, já que não havia sido
destruída ou sequer tocada por seres vivos. Mas James achava aquele pensamento
irônico, já que todos aqueles homens queriam fazer daquele lugar um lar, e para
isso seria necessário subjulgar a ilha. As mãos humanas transformariam tal “pureza”
em madeiras e concretos, e então o lugar ainda seria considerado tão belo ou
isso não importaria mais?
Após algum tempo de caminhada com
uma mistura de apreensão e animação, eles haviam chegado em uma clareira
espaçosa onde, no final da mesma, havia uma pequena montanha formando uma
cachoeira que dava vida a um pequeno lago. Todos sorriram ao verem que
finalmente poderiam sair daquela densa floresta e correrem até a beirada do
lago para beber água.
Por alguns minutos mataram a
sede, encheram seus cantis e se refrescaram, mas logo Abner já reorganizava
todos em suas posições. Tinham que vasculhar o máximo possível daquela ilha
antes que anoitecesse e precisem voltar ao navio. Se tudo corresse como
planejado, em poucos dias eles poderiam estar voltando para casa com a notícia
de que havia um lugar seguro para o qual poderiam migrar.
Enquanto alguns homens
terminavam de estacar bandeiras no solo com o símbolo da Organização,
demarcando as áreas que já haviam sido exploradas pelo grupo, Abner terminava
de organizar todos em fila, de volta mata adentro. Contornariam a cachoeira.
James terminava de encher seu
cantil e se encaminhava para o final da fila, junto com os outros, até que
Abner, que ainda não havia entrado na mata, fez sinal para que todos seguissem
adiante enquanto segurava James pelo braço.
Aos poucos todos foram
seguindo caminho em passos lentos, e assim que Abner e James estiveram sozinhos
o líder desfez sua postura séria e expressou um olhar caloroso.
- Por que está tão sério hoje,
James?
- Acho que pelo mesmo motivo que
você.
Abner riu.
- Não me parece que esteja
apreensivo com que vamos encontrar aqui. Por tudo que vimos até agora este
lugar parece seguro. Você está diferente. Está melancólico...
James soltou um sorriso na
ponta dos lábios.
- Você me conhece.
- Convivo com você a tempo o
suficiente para isso.
- É, eu acho que sim. Apenas
me pergunto se vale mesmo a pena deixar tudo que temos para trás e... começar
do zero.
- Exato. Começar do zero – Dizia
Abner, dando tapinhas no rosto do outro. Em seguida apontou para a cachoeira. –
Caso este lugar ofereça bons recursos poderemos criar nosso povo aqui, longe da
ignorância humana de Giordana. Seremos melhores. Viveremos em nossa própria
busca pela paz.
James respirou fundo e permaneceu
mudo por alguns segundos, mirando tudo ao seu redor. A floresta, a cachoeira,
os pássaros cantando... e por um momento tudo aquilo já não lhe parecia mais
tão louco.
- É, talvez você tenha razão.
Você sempre tem.
Abner expressou um sorriso
mais largo e deu novos tapinhas na face de James.
- Bom saber que, mesmo velho, ainda consigo te
fazer mudar de ideia.
James iria interromper o outro
para dizer alguma coisa, mas Abner desviou o olhar para longe e deu um suspiro
cansado, e então pareceu como se, ao invés de pouco mais de 40 anos, ele
tivesse o dobro disso em idade e o triplo em sabedoria.
- Quando eu morrer, sabe que vou
querer que você cuide do nosso legado, não é? – Continuou Abner, voltando a contemplar
James. Mantinha a expressão cansada e um quê de derrotada na face.
- Não fale como se já fosse um
idoso a beira da morte.
- Tenho mais de 40 anos,
James. Quantas pessoas com 60 você conhece?
- Gregório Silver está quase
lá...
- Gregório é um homem honrado
e muito mais forte do que eu jamais serei. Forte o bastante para enganar a
morte algumas vezes. Mas diferente dele, eu sinto que minha hora logo vai
chegar.
- Não diga...
- Não, James. Ela vai. Cedo ou
tarde ela chega para todos. E em meu caso o “tarde” está logo aí.
- Você sabe que temos as
poções dos hannomans, não sabe? Temos aliados fortes e nenhuma guerra para
lutar há muito tempo. Todos podemos superar as expectativas de vida atual.
- Talvez sim, talvez não, a
única coisa que é certa é que morreremos algum dia. E é por isso que preciso
que você esteja preparado quando o momento chegar.
- Só me quer o substituindo porque
gosta de mim. Todos conseguem ver que não sou a pessoa certa para a liderança.
Marlene é muito mais capaz que eu. É firme e fria. Sempre pensa nos outros, e
por isso tem o respeito de todos. Deveria ter visto como ela tratou Miguel e
Isaque, no navio. Era líder e mãe ao mesmo tempo. Além disso, Marlene é sua
sobrinha.
Abner hesitou por um momento,
mas seu sorriso não tardou a voltar.
- Receio que possa ter uma
tendência excessiva ao remorso, às vezes... – Dizia ele, em tom melancólico. –
Tanto dentro da Organização quanto fora dela eu sempre prezei pela segurança de
todos. Não da maioria, mas sim de todos.
Você entende isso, não é?
- Acho que sim.
James não entendia. Em
momentos de risco, muitas vezes a “segurança de todos” não era uma opção, logo,
deveria se optar pela “segurança da maioria”. De qualquer maneira, não
questionou. Preferia não estender aquele assunto.
- Mesmo assim, conheço as
várias qualidades de Marlene mais do que qualquer um, e continuo preferindo
você. Queria este serviço antes, James. Está inseguro?
- Eu... não. Não é isso... – Disse
James, deixando seu olhar descer aos próprios pés. – De repente me ocorreu que
eu posso simplesmente não ser a melhor pessoa. O mais merecedor, ou... eu sei lá.
- James – Chamou-o Abner, se
aproximando do outro e pondo uma das mãos em seu ombro. O corpo transmitindo seu
calor. – Por que não está sendo verdadeiro comigo? Sabe que pode falar o que
quiser para mim, não é?
James suspirou.
- Eu nunca quis ser líder. Eu
só queria estar ao seu lado, te ajudando, te apoiando... Quando você falou que
me queria para substituí-lo, eu nem achei que fosse sério no início, mas depois
eu quis isso... por um tempo. Queria ser como você, forte e admirado. Mas
descobri que não tenho vocação ou vontade para este trabalho. Não quero ser
responsável pelo futuro de todos.
Abner aproximou seu corpo delicadamente
contra o de James. Em um movimento lento seu lábio roçou levemente no do outro,
fazendo-o tremer, e então o beijou.
- Não precisa mentir para mim
– Disse Abner, ao fim do beijo.
James não conseguiu conter um
sorriso que mostrava seus dentes.
- Eu sei. Às vezes eu só
esqueço o quanto você é maravilhoso.
Eles permaneceram em um abraço
desajeitado – já que a besta de James ficava presa em suas costas, atrapalhando
um pouco o gesto – por alguns segundos. A vontade de ficar perto um do outro
fazia-os sentir como se houvessem ficado longe há anos, quando na verdade
faziam apenas duas noites.
O barulho de grama se mexendo
e vozes sussurradas foi quase insignificante, mas não imperceptível para bons
ouvidos como os de Abner. O homem, em um dos raros momentos de descanso que
tinha, recolheu seu queixo do ombro de James e se afastou alguns passos dele,
olhando ao redor como se procurasse algo.
James, que não havia escutado nada,
percebeu que a reação do outro indicava que algo estava errado, o que o levou a
olhar ao redor também. Pássaros voavam, e talvez alguma cobra rastejasse em
algum lugar, mas James não viu nenhuma ameaça por perto.
Abner riu de modo extravagante.
- Deve ser só o vento! – Disse
ele aumentando a voz ligeiramente, por algum motivo. Em seguida voltou a falar,
dessa vez sussurrando. – É Miguel. Não deve ter aguentado ficar no navio e por
isso veio para cá. Isaque deve estar com ele.
- O que?! Quanta
irresponsabilidade! – Reclamou James. – Mande-o de volta ao navio!
- Vou mandar alguém levá-lo de
volta – Sussurrou ele, em meio a uma nova risada. – Então não fale tão alto,
vai fazer ele perceber que notamos ele.
James bufou.
- Você o mima demais.
- E você provavelmente está
certo. Ele é praticamente um filho para mim, mas eu não sou um pai muito
presente. Acho que tento recompensá-lo da forma errada.
- Você deveria... – Começou a
dizer James, até ser interrompido por barulhos distantes de gritos e correria.
Abner e James se afastaram,
olhando ao redor com olhos arregalados. James se encontrava assustado, já o
líder, dotado de sagacidade, engoliu em seco e tentou demonstrar confiança.
- James, vá atrás de Miguel e
Isaque e os leve de volta ao navio. Eu vou verificar o que...
“Pleft!”.
Antes que pudesse terminar sua
frase algo passou voando perto do cotovelo de James. Olhou naquela direção e,
para sua surpresa, viu uma lança fincada no chão, ao seu lado. Voltou-se na
direção de quem havia arremessado tal objeto, no topo do morro onde a cachoeira
percorria. Cerca de uma dezena de seres que, mesmo andando em duas patas,
assemelhavam-se muito a touros com braços e mãos ao invés de patas dianteiras.
Vestiam armaduras de guerra e estavam armados com lanças.
- Tauros... – Murmurou James
para si mesmo, com os olhos vidrados de medo.
Aqueles seres dos quais ele
tanto ouviu falar sempre que se mencionava “passado” e “guerra” estavam ali
logo a sua frente. Logo naquela ilha aparentemente inabitada e segura.
Assustado, tornou a olhar em
direção a Abner, que tinha o corpo trêmulo, os olhos repletos de dor e a boca
aberta, como se sua alma fugisse lentamente de seu corpo. James já havia visto
esse tipo de reação em uma pessoa antes, e ele sabia que só poderia significar
uma coisa.
Uma enorme lança atingira o
líder nas costas, atravessando bem no meio de seu peito e terminando fincada no
solo.
Abner sequer gemeu, apenas
fitava James enquanto lutava contra a vontade que sentia de fechar os olhos e
cair no chão. O outro estava paralisado. Atônito, não sabia como reagir, até
que, em um impulso, foi em direção ao líder quando percebeu que ele desmaiaria
sobre aquela lança, o que agravaria ainda mais sua situação.
Passou o braço dele sobre seu
ombro e o carregou, da forma que pôde, até atrás de uma árvore perto dali,
escondendo-se do campo de visão dos tauros, que já gritavam “atacar!” e faziam
novas lanças voltarem a chover no local.
Jogados ao chão, atrás da
árvore, James percebeu que outra lança havia acertado Abner de raspão, dessa
vez em sua perna. Praguejando, quebrou ao meio a lança fincada no peito do homem,
fazendo com que ele finalmente soltasse alguns gemidos de dor. Lágrimas
escorreram pelo rosto de James e encontraram a testa de Abner, que o fitava com
o os olhos trêmulos que aos poucos, como uma vela que se apaga, ficaram
completamente imóveis e sem fogo.
Toda a gritaria e correria que
ouviram anteriormente estava ainda maior agora. De forma desordenada, diversas
pessoas da Organização corriam em direção a James e passavam direto por ele, se
mostrando ainda mais assustados com o fato de ver Abner naquele estado.
Ignorando a todos, James
abraçava o corpo de Abner, aos prantos, até uma Marlene trêmula se ajoelhar a
sua frente, checar os batimentos cardíacos de seu tio e mirar James, pálida.
Marlene constatou o que James
já sabia desde o primeiro instante, e eles nem precisaram trocar quaisquer
palavras para se chegar a um entendimento sobre aquilo.
- Temos que ir, James. Agora!
– Disse Marlene, com a voz frouxa.
O homem sacudiu a cabeça para
os lados e, com a mão trêmula, fechou os olhos de Abner, decidido a ficar o
maior tempo possível ao lado de seu amado.
- Vá sem. Não posso deixá-lo.